Paul De Grauwe, reconhecido economista belga, ex-deputado no seu país e professor em Economia Política Europeia na London School of Economics and Political Science é também vice-presidente do Conselho Superior do CFP - Conselho das Finanças Públicas de Portugal.

Recentemente publicou um artigo onde faz uma análise comparativa (preliminar) das políticas orçamentais implementadas durante a crise provocada pela pandemia do Covid-19 nos vários estados-membros da União Europeia (UE).

 

 

Figure 1 - Decline GDP growth rates 2019-20, EU

Source: Eurostat

 

O impacto económico das restrições que foram impostas a todos os europeus durante a pandemia foi substancialmente negativo em todas as economias da UE, mas em escalas muito diferentes!

Isto é refletido pelas taxas de (de)crescimento do PIB relativas a 2020: todos os países da UE registaram contrações na atividade, mas os países do sul da Europa mais expostos aos setores de serviços (com destaque para turismo), lideram claramente as quedas que, no caso de Portugal, foi de -10,1% o quinto pior resultado.

 

 

Embora Portugal tenha registado, em termos relativos, um dos piores desempenhos macroeconómicos durante a crise provocada pelo Covid-19, em sentido oposto, o Estado Português foi um dos que menos piorou o saldo das suas contas públicas!

 

 

 

A variação do saldo orçamental (visível no gráfico) mostra que Portugal registou uma variação negativa na mesma proporção que vários países nórdicos (em especial a Alemanha), o que coloca o desempenho das nossas contas públicas na segunda metade da tabela.

 

Figure 2 - Change budget balance 2019-20, EU

Source: Eurostat

 

A deterioração das contas públicas é uma consequência natural de uma contração económica, particularmente da dimensão da ocorrida no último ano. Com a redução da atividade económica, dos lucros das empresas e dos rendimentos das famílias, os Estados cobram necessariamente menos impostos e, simultaneamente, aumentam os gastos públicos em subsídios de desemprego e outras prestações sociais de apoio às famílias e, particularmente nesta crise, dispararam os gastos em saúde. Para combater os efeitos sociais desta crise foram adotados, em toda a Europa, programas de apoio à preservação de empregos, criados mecanismos de apoio à sobrevivência das empresas nos setores mais afetados, reduções de alguns impostos, etc.

 

 

 

De Grauwe destaca no seu artigo o comportamento de uma métrica muito interessante: Variação do Saldo Orçamental sobre Variação da Taxa de Crescimento do PIB. Este rácio permite avaliar quanto cada Estado “permitiu” que o seu défice orçamental aumentasse em função da redução percentual do seu PIB.

 

Figure 3 - Ratio change budget balance/Change GDP growth

Source: Eurostat

Analisando os dados, Portugal lidera a tabela, o que indica que entre todos os países da UE, Portugal parece ter sido o “mais cauteloso” na utilização de políticas orçamentais para estabilizar a economia, como é referido na análise. A maioria dos países decidiu assim assumir uma postura orçamental mais expansionista do que Portugal.

 

Ora, a constatação de que sendo Portugal um dos países mais atingidos pela crise e em que o Estado menos piorou as suas contas implica forçosamente que o Estado Português foi um dos que menos gastou durante a crise, ou seja, dos que menos apoiou de facto a sua economia!

 

 

E porque isto aconteceu?

De Grauwe apresenta como uma possível resposta a situação do nosso país à partida (pré-Covid-19) que era de um já enorme endividamento (Portugal terminou 2019 com uma dívida pública de 117.7% do PIB, o 3º pior estado da União Europeia apenas à frente de Grécia e Itália).

O governo português, provavelmente mais do que a maioria dos outros países da UE, esteve mais preocupado (e pressionado por Bruxelas e pelas agências de rating) com as contas públicas e em conter o crescente défice orçamental resultante da pandemia. Isto levou a, apesar das declarações públicas e das promessas realizadas, a implementação de uma política de contenção dos gastos, com o objetivo de evitar uma nova escalada dos níveis de dívida, o que De Grauwe designou por “fear of debt”.

 

Terá sido esta a escolha certa?

De Grauwe conclui que será difícil responder a esta pergunta, especialmente porque os efeitos da pandemia ainda não foram totalmente identificados nem estão terminados . No entanto, uma evidência empírica pode ser já retirada: esta crise permitiu a Portugal aproximar-se, em termos de métricas de endividamento, da média da zona euro. Contudo, isto ocorreu devido ao pior comportamento relativo das outras economias europeias (e não pela boa performance da economia nacional, como seria desejado!). ​Nota para o facto de que França poderá, em 2024, ultrapassar Portugal, no ranking dos países com piores rácios divida pública sobre PIB.

 

 

Mas, em suma, com o crescimento dos níveis de dívida na generalidade dos países europeus e o problema de excesso de endividamento que será deixado às próximas gerações irá certamente dominar as atenções políticas na Europa nos próximos anos.

O tema da união e solidariedade fiscal é complexo e divide os países da EU mas o recurso crescente a emissões conjuntas como o SURE (programa europeu de financiamento dos custos com as medidas de apoio ao emprego decorrentes da atual crise pandémica), ou até soluções mais radicais, irão certamente potenciar as discussões sobre o aprofundamento da união económica e monetária na UE nos próximos anos!