Depois de vários dias em contagem de votos devido a uma avalanche de votos não presenciais / por correspondência, com uma adesão recorde do eleitorado americano e de uma disputa extremamente renhida em vários Estados, Joe Biden foi declarado como o vencedor das eleições pelas principais cadeias de media americanas, tornando-se o 46º presidente dos EUA.

 

Os números ainda não estão totalmente apurados, mas Trump terá obtido cerca de 47% dos votos a nível nacional (designado de “voto popular”), alcançando cerca de 72 milhões de votos, enquanto Biden conseguiu 50.8%, ultrapassando os 77 milhões.

Estas foram, por larga margem, as eleições presidenciais dos EUA mais concorridas de sempre. Em termos de comparação, por exemplo, em 2016, 136.5 milhões de americanos tinham participado no processo eleitoral, com Hillary Clinton a receber 65.8 milhões de votos contra cerca de 63 milhões de Trump, que mesmo assim logrou vencer devido ao sistema de voto indireto / colégio eleitoral que vigora nos EUA.  Assim nestas eleições, embora Trump tenha conseguido subir a sua votação em quase 9 milhões, Biden conseguiu mais 14 milhões de votos que Hillary!

Em suma, em termos de voto popular, Joe Biden foi garantidamente o vencedor (tal como Hillary fora em 2016) mas com um diferencial claramente maior pelo que, na ausência de uma reviravolta surpreendente, reunirá a maioria dos votos no colégio eleitoral tornando-se o 46º presidente dos EUA. No entanto a reviravolta é possível! Os resultados das eleições ainda não foram oficialmente declarados e Trump e a sua equipa não aceitou a derrota, tendo nos últimos dias lançado suspeitas de fraude e avançado com múltiplos processos judiciais e outras iniciativas tentando bloquear / reverter o sentido normal do processo do apuramento dos resultados em diversos estados.

No seu primeiro discurso como Presidente eleito, Biden anunciou que o seu objetivo é restaurar a alma e unir a América, defendendo os interesses de todos os americanos, incluindo os que não votaram nele. Lembrou que, com 74 milhões de votos contados a seu favor no momento do discurso, é o Presidente eleito com mais votos na história do país. No entanto, na perspetiva dos apoiantes de Trump, Biden é o Presidente eleito que teve o maior número de votos contra na história dos EUA, já que Donald Trump também atingiu um número recorde de votação. Esta situação mostra claramente a enorme polarização que existe na sociedade americana, e o desafio hercúleo com que se depara o novo Presidente na sua tentativa de procurar compromissos e sarar as feridas de ambos os lados.

 

Por seu lado, como já foi referido, Trump não aceita a derrota, recusando-se a passar o testemunho ao candidato democrata, e não se cansa de insistir na ideia de que houve fraude a grande escala, anunciando uma forte luta nos tribunais.

É muito pouco provável que esta estratégia de batalhas legais consiga trazer algumas vitórias pontuais para o presidente em funções, mas, aparentemente o principal objetivo será mesmo dificultar o processo de nomeação dos Grandes Eleitores de cada Estado para o Colégio Eleitoral, o que poderia originar um volte face de ultima hora, onde Governadores eleitos pelo Partido Republicano poderiam intervir nomeando eles próprios os representantes dos seus estados no Colégio Eleitoral e permitindo a Trump eventualmente obter votos de estados onde efetivamente perdeu o voto popular!

Mesmo num cenário de maior normalidade, apesar da derrota, pode-se dizer que Trump perdeu as eleições mas de uma forma airosa. Conseguiu captar um número recorde de eleitores, ganhando alguns lugares para o partido Republicano da Câmara dos Representantes, e, provavelmente mantendo uma maioria Republicana no Senado.

Caso este cenário de divisão de poder, com o Senado a permanecer controlado pelos Republicanos, se concretize, a parte mais radical da agenda que Joe Biden definiu durante a sua campanha dificilmente será implementada. Mas isso até será do agrado de Biden, um moderado, que apenas fez promessas mais arrojadas em campanha para agradar à ala mais radical do seu partido.

Assim, aumentos de impostos às empresas e aos contribuintes com maior rendimento, grandes mudanças no sistema de saúde, grandes aumentos no salario mínimo e também o chamado “Green New Deal” que seria um grande programa de investimento em infraestruturas com o objetivo de tornar os EUA mais amigos do ambiente, terão de ser moderados. Por fim, os estímulos fiscais também deverão ser mais contidos.

No entanto, Biden não está completamente bloqueado, podendo conseguir vitórias na vertente do aumento da regulação financeira e ambiental, para além de colocar uma maior pressão para as grandes empresas tecnológicas através de processos de “Anti-Trust”. Ou seja, com os republicanos a controlarem o Senado, políticas menos amigas dos mercados serão mais difíceis de ser implementadas pelos Democratas.

Outro aspeto interessante vai ser a atitude e o comportamento de Donald Trump até ao dia da inauguração do novo Presidente. Como este mantém a postura de não aceitação dos resultados, pode tentar implementar uma política de “terra queimada” e dar início a um festival de ações executivas que apenas têm como objetivo agradar à sua base eleitoral, preparando a nomeação presidencial de 2024.

Os mercados financeiros reagiram a todos estes desenvolvimentos com um extremo otimismo, já que, apesar de toda a incerteza gerada ao longo destes dias, as manifestações violentas e desacatos entre os apoiantes dos dois candidatos foi muito reduzido e o povo americano mostrou uma grande atitude de civismo e cidadania. Este tema vai naturalmente continuar a marcar os próximos meses, e será importante acompanhar a forma como os próximos eventos se irão desenrolar dada a importância dos Estados Unidos na economia mundial.

Mas para já, é momento de “festa” nos mercados e as bolsas registam uma das melhores performances pós eleitorais da história!