O fim de uma Era

 

A narrativa que suportou os mercados financeiros nos primeiros anos pós a grande crise financeira de 2007-2008 – o apoio dos Bancos Centrais – foi perdendo relevância uma vez que, de uma forma agregada, os Bancos Centrais começaram lentamente a subir as taxas de juro de referência e a diminuir a dimensão dos seus balanços. Este paradigma foi substituído rapidamente por um novo: o do “crescimento global sincronizado”. Em 2018 este paradigma foi posto à prova com um gradual abrandamento do ritmo da expansão de alguns dos mais importantes blocos económicos (destaque para Europa e Japão), o que coincidiu com o acentuar da retórica protecionista e das ameaças de uma guerra comercial entre os EUA e os seus principais parceiros comerciais, causando grande preocupação entre os investidores e tumulto nos mercados (e afetando negativamente os preços de todos os ativos financeiros, independentemente da sua classe / tipologia).

 

 

Contudo, nas últimas duas semanas vislumbraram-se os primeiros sinais de apaziguamento. No que concerne às Trade Wars, após a Cimeira do G20 as duas principais economias mundiais, China e EUA, anunciaram “tréguas” de 90 dias. Já a velocidade dos Bancos Centrais no seu movimento rumo a políticas monetárias mais restritivas (ou menos expansivas) abrandou claramente. No caso da FED, Jerome Powell veio afirmar que as taxas de juro estão já em níveis próximos da “neutralidade”, com os mercados a interpretar esta mudança de discurso como um sinal de que a FED poderá fazer, em breve, uma pausa no ciclo de subidas graduais (de 25 bp por trimestre) que caracterizou os últimos dois anos. Em 2018, já se registaram três subidas estando agora o intervalo dos FED Funds fixado em 2.00% - 2.25% e em dezembro deveremos ter uma nova subida de 0.25%, mas após esta subida a FED deverá fazer uma pausa para analisar o impacto conjunto das subidas de taxas e da redução do balanço da FED na economia real, antes de tomar qualquer nova iniciativa. Devemos destacar a boa performance recente da economia americana: crescimento forte (no 3ºT o PIB cresceu 3.5%), situação de quase pleno emprego (a taxa de desemprego está em mínimos desde os anos 60, nos 3.7%) e a inflação está controlada e próximo dos 2.0% (a inflação core, em termos homólogos, avançou 2.2% em novembro), mas sem esquecer que parte disto é justificado por uma política fiscal altamente expansionista (redução de impostos e aumento de despesa) e, consequente disparar do défice das contas públicas, uma situação que terá de ser revertida nos próximos anos.

 

 

Já a zona euro parece continuar em desaceleração, com a taxa de crescimento do PIB a abrandar no 3º trimestre para apenas 1.7% em termos homólogos (em comparação com os 2.8% ano de 2017). O desemprego, apesar da queda dos últimos anos para valores mínimos desde a crise financeira, continua a ser um problema social grave afetando 8.1% da população ativa e com valores muito distintos entre os diferentes países e afetando desproporcionalmente os mais jovens. Na esfera política, a europa tem vivido períodos verdadeiramente desafiantes a salientar a questão do Brexit com inícios no ano 2016, a situação da Catalunha que abalou a europa em inícios de 2018 e, por fim, a atual situação em torno do orçamento de Itália (a terceira maior economia da zona euro). Já a inflação persiste muito baixa e aquém do target definido pelo mandado do BCE (próximo, mas abaixo de 2%), avançando a ritmos homólogos de 1%.

 

 

Neste contexto, hoje, dia 13 de dezembro, Mário Draghi confirmou o já previamente anunciado fim da expansão do programa de compra de ativos pelo BCE, um programa que se iniciara em finais do primeiro trimestre de 2015, naquela que foi a derradeira tentativa de combater a ausência de inflação / risco de deflação que caracterizou a zona euro na era pós crise financeira de 2007-2008. O final do programa implica que o BCE deixará de fazer “novas compras” limitando-se a partir de agora a reinvestir os fundos resultantes das maturidades das obrigações já presentes na carteira. Ou seja, na prática o BCE deixará de ver o seu balanço crescer mensalmente a um ritmo que atualmente era de €15 mil milhões e estabilizará o seu valor em torno dos €4.7 biliões (um pouco mais de 40% do PIB da zona Euro). Isto depois de, nos últimos 4 anos, o BCE ter aplicado €2.6 biliões de euros na compra de obrigações governamentais, dívida corporativa e ABS (asset backed securities), a um ritmo de cerca de €1.3 milhões de euros por minuto!

 

 

 

Assim, seguindo as pisadas da FED, mas com um atraso de provavelmente quase 4 anos, o BCE deverá encetar no futuro um processo de normalização das taxas de juro nominais e fazer uma subida da taxa de referência (mas esta é uma situação que ninguém acredita que possa ocorrer antes dos últimos meses de 2019).

 

 

Na Golden Wealth Management, embora acreditemos que este será sem dúvida um processo muito lento e contido, também consideramos inevitável que a redução dos estímulos terá forçosamente reflexos nos ativos financeiros e a classe potencialmente mais exposta a este efeito será a dívida, uma vez que as yields se encontram em níveis “artificialmente” baixos. Isto, porque, como facilmente se depreende, a atuação não convencional e experimentalista do BCE, produziu um enviesamento nos mercados e especificamente nos preços dos ativos de dívida. O processo “favoreceu”, em particular, os instrumentos de divida pública (e privada de melhor rating) o que permitiu a países como Portugal e Itália refinanciar a sua enorme dívida pública a taxas “pagáveis” e atirou as yields da dívida pública Alemanha para valores negativos. Já na divida corporativa, assistiu-se inevitavelmente a uma aceleração nos ritmos de colocação de novas emissões, com os emitentes a aproveitar para antecipar o refinanciamento da sua dívida e a colocar novas emissões a prazos cada vez mais longos. É também evidente a discrepância dos spreads praticados em ativos elegíveis para o programa de compras do BCE (identificados no gráfico pela sigla do programa - Corporate Sector Purchase Programme - CSPP) e ativos não elegíveis:

 

 

 

Relativamente, aos mercados acionistas o impacto do QE não é tão claro, mas a teoria económica aponta para que esses efeitos tenham inevitavelmente existido. No entanto, o QE também teve impactos negativos em alguns ativos, por exemplo, no setor financeiro, o ambiente de taxas de juro negativas teve impactos perversos, fazendo cair drasticamente as margens e afetando negativamente a cotação das ações do setor.

 

 

Assim, acreditamos que as obrigações denominadas em Euros se encontram excessivamente valorizadas e teremos de assistir a uma reversão no mercado, pelo que aconselhamos os investidores a manter os portfolios concentrados num horizonte temporal mais curto e manter uma duration reduzida. Note-se contudo que, se a trajetória de médio / longo prazo rumo a yields mais elevadas nos parece clara e evidente, no curto prazo, como já foi referido, os dados macroeconómicos têm desiludido e a instabilidade política e social está em crescendo, pelo que o rumo das yields é muito mais incerto e o BCE poderá postecipar qualquer nova iniciativa de redução de estímulos monetários “sine die” e até deixa em aberto a possibilidade de retomar o processo de compras de ativos, adiando o inevitável ajustamento!