Um pouco à margem da cobertura mediática nacional, a Argentina, uma das maiores economias da América Latina, vive novamente tempos conturbados e de grandes dificuldades…

 

Tudo começou no passado dia 11 de agosto, com as eleições primárias para as Eleições Presidenciais cuja 1ª volta se realizará a 27 de outubro. Na Argentina, o voto é obrigatório e as eleições primárias servem para “filtrar” os candidatos uma vez que apenas passam esta barreira o pré-candidato mais votado de cada força política e apenas se reunir pelo menos 1.5% dos votos totais nacionais. Contudo, nestas primárias cada formação política (10 no total) apresentou apenas um candidato, pelo que este ato eleitoral acabou por assumir (entre os principais candidatos) o carácter de uma mega sondagem à totalidade da população! E, para surpresa de muitos, o atual presidente Mauricio Macri (32%) ficou muito aquém do seu principal rival, o "peronista" Alberto Fernández (47%), que apresenta como sua escolha para vice-presidente a Cristina Kirchner (que foi primeira-dama entre 2003 e dezembro de 2007 e, após a morte de Néstor Kirchner, foi eleita Presidente, cargo que desempenhou até 2015).

 

Don´t cry for me Argentina                                                                                   Alberto Fernández                                                Mauricio Macri

 

 

A Presidência de Cristina Fernandez Kirchner caracterizou-se pela implementação (forte) de medidas protecionistas de controlo de capitais, barreiras comerciais e um conjunto de políticas de subsidiação dos transportes públicos e dos preços da energia (com destaque para a decisão de nacionalizar os ativos da produtora petrolífera nacional, a YPF, que era controlada pela espanhola Repsol). Kirchner encontra-se a braços com a justiça, pendendo atualmente sobre ela e seus familiares 11 processos sobre alegadas situações de corrupção durante os seus mandatos e durante os mandatos do seu falecido marido.

 

Don't cry for me Argentina

 

Cristina Fernandez Kirchner

 

 

Com os fantasmas do peronismo a aproximar-se e perante a perspetiva de uma derrota em outubro, Macri decidiu mudar de estratégia e anunciou uma série de medidas que contemplam um corte generalizado de impostos e simultaneamente uma política orçamental expansionista através de um aumento forte dos gastos públicos. Estas medidas populistas permitem ganhar tração junto do eleitorado mas só contribuíram para assustar (ainda mais) os investidores internacionais…

 

Como reagiram os mercados?

 

O resultado foi uma queda de 37.9% numa única sessão do índice de ações Argentino (Merval), o pior dia da sua história e um dos piores crashes acionistas de que há registo histórico, enquanto o peso argentino perdia quase 1/3 do seu valor contra o USD!

 

Don't cry for me Argentina

 

Blommberg

 

Quais as consequências destes eventos?

 

A nível político, as medidas anunciadas por Macri levaram o ministro das Finanças, Nicolás Dujovne a renunciar ao cargo, sendo substituído pelo até agora ministro da Economia da província de Buenos Aires, Hernán Lacunza.

 

O agravar da situação política e a perspetiva de um (novo) descontrole financeiro levou o FMI a promover a visita de uma missão técnica a Buenos Aires, onde o recém-empossado novo ministro das Finanças pediu ao FMI para reprogramar os vencimentos da dívida de USD 57 mM cujos primeiros reembolsos deveriam ocorrer já em 2021! Este empréstimo foi contraído pela Argentina no seguimento duas crises monetárias durante o ano passado, que tinham originado uma fortíssima depreciação da sua moeda. Em contrapartida do auxílio internacional, a Argentina comprometeu-se a adotar medidas de austeridade orçamental e a reequilibrar as suas contas.

 

A dívida pública do país ascende a mais de $101mM (cerca de 86.2% do PIB), com quase 90% deste valor a corresponder a emissões denominadas em moeda forte (sobretudo USD). Com a rápida queda do valor Peso, o fantasma da reestruturação da dívida regressou em força, particularmente depois de o governo ter falhado uma colocação de uma nova emissão obrigacionista de curto prazo. A pressão é grande, já que só durante este ano atingem a maturidade cerca de USD 30 mM que o estado argentino terá de refinanciar.

 

…Mas o pânico é justificado?

 

Como forma de acalmar os investidores internacionais, o presidente argentino decretou uma série de restrições cambiais para tentar impedir a escalada do preço do dólar e a fuga de divisas, após três semanas de forte turbulência financeira e quando o país entrou tecnicamente em incumprimento!

 

Analisando os principais indicadores macroeconómicos é evidente que a economia argentina não está de boa saúde:

 

Dont cry for me Argentina

 

Contudo, importa referir que esta não é uma situação nova. Num total de 68 anos, o período que decorreu entre 1950 e 2018, a Argentina esteve mais de 22 anos em recessão, isto é, a economia argentina esteve (nas últimas 7 décadas) praticamente um terço do tempo em contração!

 

Oportunidade ou ameaça?

 

A Argentina revela-se um país adiado e os problemas económicos e políticos argentinos tem contaminado outras economias emergentes, em especial, na América Latina em países como México e Brasil. Por efeito de contágio, o impacto é ainda relevante nas respetivas moedas e índices bolsistas, apesar dos fundamentais destas economias se manterem claramente mais equilibrados.

 

Esta consistência leva-nos a acompanhar de perto estas geografias cujos ativos financeiros podem vir a constituir, no curto/ médio prazo, oportunidades de investimento novamente muito interessantes!

 

 

Taxa crescimento PIB YoY

Taxa crescimento PIB YoY