A tomada de Cabul pelas forças talibãs tem merecido compreensível destaque na imprensa internacional, tanto mais que o mundo ocidental irrompeu em incredulidade e revolta e perante um desfecho desfavorável à sua agenda política e até moral. No entanto, até agora não tem sido um tema com especial repercussão nos mercados financeiros. Pelo contrário, o mercado continua focado nos mesmos assuntos há alguns meses: a futura atuação dos bancos centrais, a evolução da pandemia, o processo de recuperação económica e se a inflação que agora se observa na generalidade das economias se trata de um fenómeno transitório ou algo mais estrutural. A indiferença do mercado à mudança de poder no Afeganistão surpreende até por comparação com outros eventos passados e basta relembrar o “tumulto” que o ataque ao general iraniano Qassem Soleimani em janeiro de 2020 gerou. No entanto, acreditamos que os desenvolvimentos dos últimos dias terão bastante influência nos mercados, mas mais a prazo, e estarão ligados à imagem dos EUA no mundo e em particular à capacidade de Joe Biden implementar políticas e  mesmo de permanecer no cargo. Ou seja, o risco político aumentou.

 

A perceção da opinião pública é que Joe Biden tem sido particularmente inábil na gestão desta crise e as suas limitações enquanto estadista estão, na opinião de muitos, à vista. Biden não é certamente o maior culpado do desfecho no Afeganistão, ainda que a sua Administração tenha provavelmente cometido erros grosseiros, nomeadamente na antecipação do avanço talibã e na falta de planeamento em como fazer sair do país pessoas e material que não deveriam ser deixados para trás. Como resultado, os repatriamentos têm sido caóticos e ineficazes, para não falar das toneladas de equipamento e munições militares, parte dele de tecnologia de ponta que já estão na possa das novas forças vigentes e que as utilizarão para si e, receia-se, serão oferecidas a rivais americanos. Importa destacar que, enquanto as embaixadas ocidentais encerravam e evacuavam funcionários, as de Moscovo e Pequim continuaram a funcionar.

 

Deste modo, terminou o “estado de graça” de Joe Biden sobretudo para o resto do mundo, que nele depositava muitas (provavelmente demasiadas) esperanças. As críticas de responsáveis políticos de aliados da NATO e da própria opinião pública internacional têm sido evidentes. Internamente, Biden está igualmente mais fragilizado. É verdade que a decisão de retirar do Afeganistão decorre de muitos anos de pressão da opinião pública norte-americana, mas a forma como os eventos se precipitaram e as inevitáveis comparações com o traumático Vietnam fazem com que a “bomba esteja a estourar” nas mãos de Joe Biden.

 

Os Republicanos têm aproveitado a oportunidade, mas não tem passado despercebido que a ala mais à esquerda do partido Democrata também não tem vindo em socorro de Biden. Alguns dos meios de comunicação social conotados com essa ala e com o movimento “woke” não têm deixado o Afeganistão sair do topo das notícias e parecem estar a aproveitar para desgastar o Presidente na sua base eleitoral.

 

Se é normal que a popularidade de um presidente diminua alguns meses após a posse, este enfraquecimento rápido e de alguma forma prematuro perante inimigos, aliados e apoiantes leva a admitir que o risco político está a aumentar. Com uma agenda difícil para os próximos anos – China, pandemia, recuperação económica, tensão social, entre outros temas – é plausível pensar que a ala esquerda dos Democratas se sinta tentada a substituir Joe Biden por Kamala Harris, talvez mesmo antes de 2025.